São Leonardo de Galafura, km 115 da Linha do Douro

Versão provisória de 8 de Abril de 2003.
As ilustrações e fotografias omissas só serão disponibilizadas após a criação do novo modelo gráfico acompanhado pelo respectivo sistema de informação.

Introdução -

A Região Demarcada do Alto Douro, produtora do afamado Vinho do Porto, estende-se desde Barqueiros, limite ocidental, até à fronteira em Barca d'Alva, numa extensão de cerca de 250000 ha . A sua paisagem individualiza-se pela sucessão de vales encaixados com declive extremamente acentuado, de substracto xistoso, tendo como "espinha dorsal" o Rio Douro. De facto, apenas a cidade do Peso da Régua e o seu vale aberto escapam à anterior caracterização morfológica, visto que este núcleo urbano se posiciona no ponto central de um vasto anfiteatro cujas vertentes apresentam um declive suave. Mas, já a montante do Rio Corgo, a paisagem retoma a configuração das vertentes de forte declive que surgem, de facto, plenipotentes.

Detentora de um microclima particular no qual pontuam estios prolongados que possibilitam a existência de temperaturas médias mensais nos meses de Julho e Agosto que ultrapassam os 35 ºC, apresenta, no entanto, cambiantes quando nos deslocamos no seu interior. Na verdade, se caminharmos para montante e atingirmos o Pinhão, encontramos locais onde qualquer ser vivo que se aventure a receber directamente as radiações solares das 14 horas, com frequência terá de suportar temperaturas que rondam os 50ºC! Em oposição, no inverno, embora os valores médios mensais não sejam negativos, repetidas vezes observam-se temperaturas inferiores a 0ºC. Logicamente, as amplitudes térmicas são muito acentuadas, aumentando quando nos movimentamos de jusante para montante.

A precipitação total, por seu lado, diminui entre a Régua e Barca d'Alva, onde se fixa apenas nos 400 mm anuais. Na Régua atingia os 900 mm e no Pinhão, centro intermédio, totalizava 710 mm.

É efectivamente um espaço onde se multiplicam os socalcos ocupados pela vinha, alinhados de acordo com as curvas de nível, "parcelados" pelos alinhamentos das oliveiras, que, invariavelmente, delimitam os prédios vitícolas, sobretudo no Baixo Corgo .

Esta Região vitícola, fruto de um longo historial, apresenta uma paisagem onde pontuam, entre a policromia das videiras de castas seleccionadas, as habitações e os anexos vitícolas das quintas, caiados de branco ou de amarelo ocre e ostentando, na generalidade dos casos, o seu nome ou o da empresa.

As manchas de povoamento, por seu lado, posicionam-se preferencialmente em rechãs situadas entre os 350 e os 500 metros de altitude, expandindo-se, sobretudo após a década de sessenta, ao longo das principais vias de acesso. De facto, os emigrantes durienses dessa década, ou anteriores, logo que conseguiam amealhar os meios financeiros necessários, procediam à auto-construção da sua residência , na aldeia de origem, em prédios rústicos entretanto herdados, ou em espaços adquiridos com esse objectivo. Para a primeira hipótese recorde-se que os factores de âmbito económico e sentimental sobrepunham-se a todos os outros, contribuindo para um acentuado grau de dispersão do povoamento; na segunda hipótese, optava pela construção ao longo das estradas principais, mas nas proximidades das suas raízes culturais, visto que a acessibilidade era efectivamente um dos factores fulcrais a considerar.

Na verdade, a acessibilidade sempre constituíu um papel fundamental no ordenamento de qualquer território, independentemente do tipo de rede em que nos fixássemos: viária, ferroviária ou fluvial. Assim, aos fins estratégicos subjacentes ao traçado inicial dessas vias, associavam-se outras condicionantes como as relacionadas com a implantação de serviços e outras actividades económicas que, para além de atrairem a população, facilitavam ainda movimentos endógenos de carácter diverso. Logicamente podiam também ajudar a consolidar assimetrias espaciais.

Quando recuamos nesta análise a séculos anteriores, confirma-se que a Região Demarcada do Douro oferecia de facto grandes dificuldades à implantação de uma rede viária. Para a sua implementação, e tendo em mente os meios técnicos a que as entidades responsáveis de então tinham acesso, houve que aproveitar os eixos de mais fácil penetração, designadamente acidentes estruturais, como é o caso do "decalque" das estradas e caminhos de ferro das linhas de fractura que atravessam de norte a sul o vale do rio Douro, quer na Régua, quer em Vila Nova de Foz Côa.

Mas os factores condicionantes da implantação de uma rede de transportes não se restringem aos elementos de cariz natural. De facto, não é possível omitir as interferências sócio-culturais, as económicas, ou ainda as institucionais.

Posicionando-nos na primeira Região vitícola a ser demarcada administrativamente à escala mundial, decorria o ano de 1756, é pertinente acrescentar ainda outras questões como sejam:

-qual o tipo de rede de transportes, e respectiva textura, que cobria inicialmente a Região?

- qual o seu impacte na própria evolução sócio-económica regional?

-aproximando-nos do nosso século, qual a conjuntura subjacente à implantação de novas vias e seus reflexos no ordenamento territorial?

-qual a interferência da viticultura na sua implantação e respectivo traçado?

-qual o enquadramento estratégico perante as actuais directrizes do ordenamento territorial duriense?

Nesta nossa breve abordagem não faremos uma análise exaustiva em termos cronológicos, mas tão somente algumas incursões, quer em termos temporais, quer espaciais.

1 - A institucionalização da Região Demarcada- seu impacte na rede de transportes regionais

Apesar de escassa e, por vezes, pouco credível, a bibliografia existente sustenta que o "Cima Douro", como habitualmente era designado, só a partir do final do século XVII se metamorfisou nos famosos vinhedos dos nossos dias, sendo anteriormente classificado como agreste, inóspito, perigoso. As margens do rio Douro estavam cobertas por uma vegetação densa e diversificada que ascendia nas vertentes. Só em espaços ocasionais, nomeadamente a envolver a cidade de Lamego, surgiam os vinhedos, embora com estrutura diferente da actual .

As acessibilidades regionais eram indubitavelmente péssimas. Na verdade, as vias de comunicação então existentes circunscreviam-se a caminhos pedonais, estreitos, sinuosos, única forma de vencerem os declives existentes, e encontravam-se envoltos por espesso manto vegetal a partir do qual eram fáceis as emboscadas.

As estradas hierarquicamente superiores escasseavam e apresentavam um traçado que interligava apenas os grandes núcleos populacionais da Região Norte, designadamente Vila Real, Bragança ou ainda Lamego. Este último, localizado já na área beirã, possuía interligações com Viseu. Contudo, até estes eixos principais eram em terra batida, e só muito excepcionalmente empedrados .

Encontrávamo-nos num espaço onde o isolamento era uma realidade inegável que conduzia a uma economia de cariz endógeno. Mas, apesar da precaridade da situação, neste período era já a parte ocidental da região que melhor rede de transportes possuía .

Nestas circunstâncias, reservava-se às linhas fluviais um papel fundamental. De facto, estas vias, particularmente o rio Douro, apesar dos perigos sempre presentes nas "correntezas", eram o meio mais seguro de acesso à cidade do Porto, de onde provinham o sal, o peixe, os tecidos, (ou os adubos já no século XIX), e para onde eram transportados o vinho, os citrinos, a amêndoa, o azeite e alguns cereais, sendo estes oriundos dos lugares situados a maiores altitudes.

Apesar deste isolamento, tivemos de aguardar pela segunda metade do século XVIII para que algo mudasse. De facto, só em 1756 com a criação da "Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro", e da demarcação da área autorizada a produzir o Vinho do Porto é que algo iria mudar. Contudo, não esperemos mutações radicais, nem muito rápidas. A Fig.1 permite-nos confirmar a precaridade da rede existente apesar de nos encontrarmos na designada "área nobre" das produções vitícolas durienses da época. Na realidade, a análise desta figura possibilita afirmar que a rede viária "principal" que então interligava Lamego, Régua e Mesão Frio, para além de escassa, apresentava um traçado extremamente sinuoso, interligando a sede concelhia com os lugares mais destacados e, inevitavelmente, com os cais de embarque dos vinhos.

Relativamente à rede de caminhos locais, a situação era precária como Rebelo da Fonseca nos retrata, agravada ainda pelas atitudes dos proprietários vitícolas que davam prioridade à vinha. Os caminhos que se abriam eram tão estreitos e declivosos que não permitiam a passagem de "...uma cavalgadura por um carro" .

Dada a expansão da área vitícola a partir do século XVIII, os vinhos desde então tinham de ser transportados a maiores distâncias, visto que os vinhedos já não se "aninhavam" apenas nas margens do Douro, mas, pelo contrário, ascendiam nas vertentes e penetravam pelos vales dos principais afluentes. Em simultâneo multiplicavam-se os contactos que os exportadores, ou seus representantes, faziam com os viticultores da Região duriense. Foi neste enquadramento que surgiram projectos de criação, ou de ampliação, de estradas reais durienses (prioritariamente nas suas ligações à cidade do Porto e à Régua), bem como de algumas secundárias.

De facto a estrada existente entre a cidade invicta e Amarante, mesmo de traçado sinuoso e por vezes quase intransitável, detinha-se quando deparava com o rio Tâmega. Havia, pois, que anular o vazio nas ligações terrestres entre Amarante e Régua visto que era urgente ligar esta célula duriense, sede da "Companhia", com a cidade do Porto. Nestas circunstâncias surgiu o projecto de uma estrada entre Mesão Frio e Amarante que, no entanto, apresentava um traçado também muito sinuoso, única forma técnica de ultrapassar os elevados declives da serra da Reboreda que, note-se, teria de ser vencida obrigatoriamente para atingir o vale do Tâmega. Aí, após a construção de uma ponte, as duas estradas unir-se-iam, concretizando-se a tão ansiada ligação viária da Região com a cidade invicta.

Contemporâneas desta via surgiram outras que se inseriam maioritariamente no espaço vitícola duriense. Um dos exemplos corresponde à ligação de Mesão Frio com a Régua ligação representada nos projectos de Joze Auffdiener (Fig. 2). Este autor sujeitava o seu traçado às irregularidades geomorfológicas, forma de vencer o declive existente, mas, e era fundamental, possibilitava que os viticultores de toda esta área atingissem com maior facilidade o Cais da Rede.

Depois desta estrada se abeirar do rio Douro, o traçado passou a ser muito mais rectilíneo. O autor deste projecto aproveitou o vale mais aberto entre Caldas do Moledo e a Régua (Fig. 3), proporcionando para estas "estradas novas" um traçado mais confortável, diferente daqueles "caminhos" que anteriormente efectuavam a ligação dos diversos lugares entre si e destes com os vinhedos. Por último, se nos apoiarmos ainda na Fig. 3, é possível observar também os cais destinados ao embarque dos vinhos assim como a localização da Barca de passagem da Régua, único meio de interligação das duas margens nas proximidades deste núcleo populacional duriense, ou num raio de 2 quilómetros.

Não podemos ignorar ainda que parte do traçado da rede interna de estradas secundárias foi determinado pela Companhia pombalina visto que tinha como objectivo central individualizar eixos relacionados com a fiscalização dos produtos vínicos . Assim, os seus reflexos entre a população foram muito restritos, sujeitando-se estes à rede pré-existente que tinha como determinante a acessibilidade aos núcleos rurais.

Acrescente-se que para o financiamento destas novas vias ou para a melhoria das existentes, se criaram diversos impostos que incidiam sobre os vinhos, visto ser um produto de fácil controlo e de grande importância económica .
CONTINUA.