A tempo são cosidas as linhas que unem as capitais lusitana e francesa. Em cima delas vagueia a memória de uma distância ultrapassada pela pressa de chegar. O comboio que há mais de um século deu sentido à pompa, cambaleia hoje entre a circunstância e a necessidade.
São três horas de uma tarde abafada de fim de Julho. É ainda muito cedo para o Sud Expresso partir rumo a Irún. Por isso, as plataformas da velha estação de Santa Apolónia, em Lisboa, estão praticamente desertas e silenciosas. Ouve-se apenas um burburinho junto ao balcão da cafetaria, onde as águas e os gelados ocupam o número um no top das vendas, posição conquistada em virtude da vaga de calor que assola o país. Chegados ao átrio, o cenário muda radicalmente. Mais de meia centena de pessoas semi-adormecidas e amontoadas entre uma quantidade extraordinária de bagagem surpreende quem passa. Aos poucos vão despertando. Ligam o rádio e ao som do hip-hop, três rapazes exibem habilidades e malabarismos incríveis. São alguns dos atletas franceses que participaram na Gimnaestrada, preparados agora para o regresso a casa.
Jouanolou Denis, um dos jovens ginastas, aponta a questão económica como principal motivo para a escolha deste meio de transporte: «De comboio é mais barato do que de avião».
Perto das seis da tarde (hora da partida) o cais começa a ter mais gente. As composições já chegaram e apressam-se os últimos preparativos. Enquanto se abastece a carruagem-restaurante, um auxiliar da estação vai distribuindo dísticos azuis ao longo do corpo metalizado do comboio: Lisboa-Santa Apolónia Irún Hendaye o destino é traçado antes da partida... Fossem outros os tempos e o Sud Expresso depois de sofrer algumas adaptações técnicas de forma a poder circular nos carris franceses seguiria o seu caminho tranquilamente até Paris, à Gare de Austerlitz. Só que vivemos numa época em que "tempo" é um material excessivamente caro para se perder por aí, em viagens que não acompanham o ritmo apressado da sociedade dos nossos dias. Obedecendo a esta lógica, os passageiros, chegados à fronteira franco-espanhola, trocam as carruagens vagarosas do "Sud" pelo comboio de alta velocidade francês, o tão cobiçado TGV, que chega à Gare de Montparnasse em menos de seis horas.
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