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SUD EXPRESS - A Plataforma da Saudade (III)

Texto Sofia Paredes
Fotografias Dario Silva
Conversas poliglotas

Ainda os empregados não tinham começado a servir os cafés e já no ar se misturava o fumo dos cigarros com o calor das conversas. As atenções centram-se na mesa ao lado, numa brasileira loira falsa, a Daisy, que fala alto e traz na mala um extenso repertório de cantigas românticas, com as quais parece querer impressionar o companheiro, seu conterrâneo. Encorajados pelo à-vontade da Daisy e pelas muitas loirinhas autênticas que baloiçam em cima da mesa, quatro passageiros tentam meter conversa. Numa curva mais apertada, quase a chegar à Guarda, desvia-se o assunto para a discriminação a que estão sujeitos os emigrantes. A loira dispara contra os portugueses que tratam mal os imigrantes: «Esquecem-se que muitos [portugueses] também já precisaram de ir trabalhar para outros países». A polémica aquece ainda mais quando a intempestiva brasileira decide provocar os quatro passageiros. «Os portugueses não vivem», diz levantando-se e mostrando a toda a carruagem que tem "o samba no pé". Contudo, depressa os ânimos se acalmam. A fronteira de Vilar Formoso aproxima-se. Pouco a pouco, as mesas começam a ficar vazias. Os passageiros dirigem-se aos seus compartimentos ou, então, concentram-se no balcão do bar, onde se encontram muitos Interrailers, estrangeiros e portugueses, que aproveitam para trocar experiências. Ricardo Fonseca, de 22 anos, mete-se nestas andanças pela primeira vez. Com mais três amigos, todos prestes a terminar o curso de Direito e a começar o estágio, já planeou os cinco primeiros dias: Bruxelas, Amesterdão, Copenhaga, Berlim e depois alguns países do Leste europeu. «Os nossos interesses são bastante parecidos, por isso, é fácil chegar a um consenso», garante. Tinham comprado o bilhete Global, o que lhes permite viajar de comboio, em segunda classe, durante trinta dias, em vinte e nove países da Europa e Norte de África. «As viagens são um pouco cansativas, principalmente quando os comboios vão cheios. É muito apertado», queixa-se André Bento, outro elemento do grupo. Talvez seja por essa razão que em Lisboa, no dia-a-dia, não costumem usar este meio de transporte. Contudo, vêem no Interrail uma aventura. Objectivos? «Conhecer o maior número possível de cidades europeias e contactar com pessoas diferentes», afirmam sem hesitar. As expectativas são elevadas, principalmente no que diz respeito à «night life», segundo eles «um dos principais pontos de interesse da viagem».

Por volta das duas da manhã, apagam-se as luzes e o bar encerra as suas portas. Apesar dos protestos somos empurrados para o corredor. Em alguns compartimentos, as cortinas estão fechadas e os passageiros procuram acomodar-se o melhor que podem para dormir. Encostados uns aos outros, sentados ou deitados no chão, denunciam a falta de espaço e as más condições das carruagens, na mais longa viagem realizada a partir de Portugal. Mas há cubículos em que a luz permanece acesa. As janelas e as portas abertas permitem o intercâmbio de passageiros e todos se vão conhecendo e trocando impressões. Se houvesse música, o ambiente seria de festa.

Exigentes na quantidade de álcool, dois corpulentos dinamarqueses indignam-se quando dão com o bar fechado. Meia dúzia de murros e pontapés na porta, mais uns quantos gritos são o suficiente para o empregado reabastecer de cerveja os "civilizados" gigantes nórdicos. E lá seguiram os dois, cambaleando muito mais do que a trepidação do comboio exigia, até ao último favo daquela carruagem. Para eles, visitar Portugal é muito barato, o que compensa quando o consumo de álcool é sinónimo de férias bem passadas.
CONTINUA

A hora da Partida em Santa Apolónia.
O Sud Express constitui uma boa alternativa de viagem para quem reside junto da Linha da Beira Alta: poupam-se muitas horas de viagem até ao aeroporto de Lisboa ou Porto.

O bar é mesmo o melhor ponto de encontro no meio de tantas carruagens; aqui falam-se todas as línguas do mundo e vende-se vinho, café e cerveja portugueses.

Ricardo, André e alguns amigos partem em direcção à Europa. De comboio durante um mês.

Pouco passa da meia-noite e o compartimento dos dinamarqueses continua agitado; tanto batem na porta do bar que alguém lhes dá mais umas cervejas.