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Capítulo I - Capítulo II - Capítulo III
Homens com saudades dos tempos em que os comboios tinham alma
Texto Sara Dias Oliveira
Fotografias Dario Silva

Publicação original na revista "Pública" de 13 de Janeiro de 2002.
"Naquele tempo havia disciplina e amor profissional". Agora, nem uma coisa, nem outra. Joaquim António Coelho tem 80 anos, 36 dos quais dedicados à vida ferroviária. Primeiro, como factor na Linha do Vale do Vouga, depois como escriturário principal, em Campanhã, no Porto. Conhece todas as linhas de Portugal – falta-lhe apenas o troço de S. Bartolomeu a Sines, que jura ainda fazer. Percorreu as linhas de Espanha, França, Suíça e Itália. Ou não fosse o comboio, "o transporte ideal". Por isso, custa-lhe entender o fecho de algumas linhas. "Os países que têm a visão de futuro devem aumentar a exploração ferroviária e voltar a transportar mercadorias para evitar que as estradas sejam pólos de poluição", sustenta.

Na sua opinião, o problema é que hoje há "pouco interesse, má administração e execução". "A partir do momento em que a CP deixou de transportar mercadoria de detalhe e vagões isolados, o caminho de ferro parece que perdeu a alma", desabafa.

Outro caso que não compreende é que o investimento na modernização em vários troços de linhas e estações não se tenha espelhado na criação de "passagens inferiores para facilitar o acesso dos passageiros às gares de embarque, dado que, por vezes, alguns passageiros estão nas bilheteiras e têm dificuldades em embarcar nos comboios que aparecem em via contrária". E considera mesmo uma falta de respeito pelos passageiros da Linha do Vale do Vouga, que viajam entre Espinho e Oliveira de Azeméis, o facto de "não terem alterado as respectivas gares de embarque", antes de trazerem as máquinas que serviam a Linha da Póvoa e Guimarães. Assim, constata, "muitas senhoras idosas e até cavalheiros têm de se ajoelhar para embarcar".

Joaquim António Coelho seguiu os trilhos da parte da família de seu pai. E ainda se lembra do momento, em plena Segunda Guerra Mundial, em 1943, no dia da Senhora da Ajuda, em Espinho, que ficou sem a lanterna e as bilheteiras e gares estavam apinhadas de gente. Sem tempo para a ir buscar, teve de empurrar as pessoas que estavam no meio da linha, por não ter outro meio de as avisar, quando o comboio seguia de Espinho Vouga em direcção a Espinho Praia.

Joaquim António Coelho
Manuel Guimarães, ninense, ferroviário reformado, na presença de um futuro companheiro de caça.
"Os ferroviários são uma família unida e têm amigos por todo o lado"